Introdução
Do ponto de vista territorial, os países podem ser classificados, geopoliticamente, em dois grupos: satisfeitos e insatisfeitos. O Brasil está situado no primeiro grupo, enquanto a Argentina no segundo. Para enquadrar um país numa destas classificações, é necessário perceber como foram estabelecidas, historicamente, as suas fronteiras territoriais.
As fronteiras territoriais no Sul do Brasil sempre motivaram preocupações aos governantes, inicialmente portugueses e, posteriormente, brasileiros. A proximidade com os territórios ocupados pelos espanhóis e seus descendentes gerava um clima de tensão regional permanente. Durante o período colonial, Portugal e Espanha firmaram vários acordos e tratados de limites, tentando definir as fronteiras territoriais entre suas colônias. A linha do Tratado de Tordesilhas havia sido rompida, definitivamente, principalmente pelos portugueses. Em virtude disso, as negociações diplomáticas foram intensas e conflitivas, para tentar estabelecer uma linha divisória entre as áreas ocupadas pelos súditos das duas potências ibéricas.
No início do século XIX, após o processo emancipatório, as novas nações sul-americanas continuaram com a preocupação em definir as fronteiras territoriais, para evitar possíveis conflitos armados. Além disso, a fronteira seria utilizada para afirmar a nacionalidade. Na concepção dos Homens de Estado do século XIX, as transformações políticas que os novos países estavam sofrendo, e os problemas decorrentes, tornavam os mesmos frágeis diante de seus vizinhos e perante os internacionalmente mais distantes também. Essas questões eram agravadas pelos problemas insolúveis em algumas das fronteiras incertas e indemarcadas. Assim, cada país, como corpo frágil, sem robustez, devido a sua epiderme não consolidada, figurava demasiadamente debilitado interna e externamente no concerto geopolítico das nações do continente americano.
Por esse motivo, as fronteiras estavam diretamente vinculadas ao Estado-nação e deveriam ser fixadas sob iminente risco da nacionalidade. Nessa concepção, a sustentabilidade do país alicerçava-se no território e o ponto sensível dessa consciência era a fronteira.
Os dois países da América do Sul que tiveram mais incidentes diplomáticos, também em virtude das fronteiras, foram Brasil e Argentina, onde, de acordo com os princípios da geopolítica, cada um tentava impor ao outro um projeto de hegemonia no Cone Sul da América.
Neste trabalho, procuramos reconstruir historicamente uma dessas questões de fronteiras territoriais entre Brasil e Argentina, conhecida pelos brasileiros como “Questão de Palmas” e pelos argentinos como “Cuestión de Misiones”, a qual foi resolvida no final do século XIX, mas teve suas origens ainda no período colonial. É uma herança dos tratados firmados entre as duas coroas ibéricas. Embora tenha sido resolvida oficialmente em 1895, acabou marcando, de forma indelével, as relações bilaterais entre os dois maiores países da América do Sul, pois acabou por aguçar a rivalidade no Cone Sul da América. Por parte do Brasil, além de garantir um território estratégico, tal herança projetou o ícone da diplomacia brasileira, o barão do Rio Branco, pois foi a primeira vez que ele se envolveu diretamente numa questão diplomática de grande vulto. Foi o primeiro passo para uma carreira voltada à afirmação das fronteiras nacionais, e que Rui Barbosa, numa exaltação parnasiana, o chamou de “Deus terminus das fronteiras”. Por parte da Argentina, a perda do território disputado contribuiu para que o país esteja entre os insatisfeitos territorialmente. Para os mais exaltados, a não-conquista do território das Missões faz parte da castração da projeção geopolítica argentina.
No primeiro capítulo, procuramos demonstrar como a geopolítica tem sido utilizada para estabelecer um vínculo entre as relações de poder e o espaço geográfico. As fronteiras acabam sendo um elemento importante ao conhecimento geopolítico, contribuindo para as formas de ocupação de um determinado território.
Durante o período colonial, em função de projetos geopolíticos, Portugal e Espanha assinaram vários tratados de limites, tendo como objeto principal a parte meridional da América do Sul. No segundo capítulo abordaremos as circunstâncias históricas dos Tratados de Limites de Madrid (1750), de El Pardo (1761) e de Santo Ildefonso (1777). A demarcação das fronteiras estipuladas por esses tratados coloniais e a polêmica surgida entre os comissários demarcadores do Tratado de Santo Ildefonso, vão servir de suporte às discussões pela definição das fronteiras entre Brasil e Argentina.
O terceiro capítulo trata da discussão diplomática entre Brasil e Argentina, onde os brasileiros defendiam que as fronteiras entre os dois países deveriam ser representadas pelos rios Peperi-guaçu e Santo Antônio, como historicamente tinha sido, enquanto os argentinos passaram a defender como fronteiras dois rios situados mais a leste, no território brasileiro: rios Chapecó e Chopim, inicialmente, e depois os rios Chapecó e Jangada. Procuraremos mostrar como as discussões pós-Guerra do Paraguai teve relação com a reivindicação oficial Argentina a partir da década de 80 do século XIX. Com a Proclamação da República, a diplomacia brasileira tentou se pautar pelo americanismo, o que resultou num tratado dividindo o território entre os dois países, tratado este que foi rejeitado pelo Congresso Nacional brasileiro.
No quarto capítulo, será percebida como a questão foi levada ao arbitramento internacional, resultando num laudo arbitral favorável ao Brasil. Aqui cabe um destaque especial às razões que levaram o árbitro – presidente dos EUA – a dar ganho de causa ao Brasil.
A imprensa brasileira da época tratou a questão com prioridade, uma vez que estavam em jogo os interesses nacionais. Por isso, a imprensa foi uma fonte primordial para este trabalho, principalmente o Jornal do Commércio, do Rio de Janeiro, então capital federal. Aquele diário funcionou, em determinado período, como uma espécie de porta-voz oficial da posição brasileira, publicando em suas páginas todas as minúcias da questão, fazendo através de seus correspondentes e colaboradores ocasionais uma verdadeira radiografia da questão. Outros jornais, do Centro do país, também desempenharam importante papel naquele episódio.
Outro tipo de fonte que utilizamos foram os discursos parlamentares, onde deputados e senadores brasileiros expressaram a preocupação com a segurança nacional brasileira.
Da documentação oficial, por motivos óbvios, as exposições de motivos apresentadas pelos governos brasileiro e argentino ao árbitro, tiveram a devida atenção. A documentação diplomática, principalmente a correspondência da Missão Especial nos EUA, bem como os relatórios do Ministério dos Negócios Estrangeiros e, posteriormente, do Ministério das Relações Exteriores foram de extrema importância.
Em relação às fontes, cabe aqui um agradecimento especial ao Rui Mateus Ramos, que como bolsista PIBIC/CNPq, vasculhou minuciosamente os relatórios ministeriais, bem como aos filhos Aníbal, principalmente, e também ao Andrei, que auxiliaram com os mapas e outras icnografias. |
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